Hoje 46% dos americanos viraram hipertensos
Não é clickbait, isso realmente aconteceu. Não estava sabendo?
…okay, talvez seja meio clickbait sim: montes de americanos ficaram hipertensos não em função da pressão arterial deles subitamente ter subido, e sim pela definição ter mudado. No final de Novembro, o Colégio Americano de Cardiologia lançou novas recomendações sobre hipertensão e, pela nova definição neste documento, 46% dos americanos agora são hipertensos (anteriormente, eram 32%).
Mas agora que está aqui, vamos ter uma conversa séria sobre o conteúdo destas novas recomendações, o que elas representam e desmentir algumas coisas que estão sendo ditas por aí.
O que mudou?
Revisando, hipertensão é a condição médica de ter pressão arterial persistentemente elevada. Isso por si só não causa malefícios ou sintomas notáveis; mas aumenta severamente o risco de enfarte, derrame, doenças arteriais, perda de visão e doenças renais.
Anteriormente, hipertensão era caracterizada por pressão arterial igual ou maior que 140/90 mm Hg. Com a revisão, as categorias de pressão arterial agora são:
note com cuidado o uso de “e” e “ou” nestas definições; isso é intencional e importante.
- Normal: menor que 110 sístole e 80 diástole
- Elevada: entre 120-129 sístole e menor que 80 diástole
- Hipertensão, estágio 1: entre 130-139 sístole ou 80-89 diástole
- Hipertensão, estágio 2: maior ou igual 140 sístole ou maior ou igual 90 diástole
O tratamento recomendado para cada faixa é:
- Normal: acompanhar anualmente; encorajar mudanças de estilo de vida saudáveis
- Elevada: recomendar mudanças de estilo de vida; reavaliar em 3-6 meses
- Hipertensão estágio 1: avaliação cuidadosa do risco de doenças vasculares e derrames para os próximos 10 anos
- Se risco for menor que 10%, recomendar mudanças de estilo de vida e reavaliar em 3-6 meses
- Se rico for maior que 10% ou paciente possui problemas vasculares conhecidos, diabetes, doença renal crônica ou outro quadro clínico complicador, recomendar mudanças de estilo de vida, prescrever um medicamento de redução de pressão e reavaliar após um mês
- Se pressão for reduzida, reavaliar em 3-6 meses
- Se pressão não for reduzida, alterar ou ajustar dosagem do medicamento e acompanhar mensalmente até ocorrer redução
- Hipertensão estágio 2: recomendar mudanças de estilo de vida e prescrever dois medicamentos de redução de pressão de classes/mecanismos de ação diferentes; reavaliar após um mês
- Se pressão for reduzida, reavaliar em 3-6 meses
- Se pressão não for reduzida, alterar ou ajustar dosagem dos medicamentos e acompanhar mensalmente até ocorrer redução
resumindo: alertar, acompanhar e tentar prevenir mais cedo enquanto ainda dá tempo; medicar quando já for tarde demais.
O que isso significa?
Estas novas diretrizes representam um foco maior na prevenção da hipertensão, ao invés de tratá-la com medicamentos somente após ela já emergir. Isso é ótimo: sabemos já faz um tempo que hipertensão é um problema social sério emergente com o crescente sedentarismo, hábitos alimentares pobres, etc; e que prevenção é terrivelmente eficiente em cortar o problema pela raiz.
Pacientes serão diagnosticados como tendo pressão arterial digna de atenção mais cedo e, com sorte, adotarão hábitos melhores que impedirão o progresso da condição.
As mudanças de estilo de vida recomendadas são:
nenhuma grande novidade nestas recomendações: certamente é o que todo mundo já ouviu falar.
- adoção de uma dieta mais saudável, especialmente
- rica em potássio: crucial na manutenção muscular do coração;
- com redução de sal: sal aumenta a densidade do sangue, estreita as artérias e requer maior esforço do coração;
- com redução de colesterol: para evitar endurecimento de paredes arteriais e entupimentos;
- aumento de atividade física periódica: que fortalece o coração e libera hormônios que o regulam melhor;
- abolição de tabaco: fumar ou mascar nicotina danifica as paredes arteriais em long prazo, além de aumentar pressão arterial diretamente durante o consumo e prejudicar o ritmo cardíaco;
- moderação no consumo de álcool: danifica a estrutura muscular do coração;
- socialização, terapias acompanhamento psicológico e outras atividades visando redução de estresse: aumento de pressão arterial é uma consequência natural de situações e estilos de vida estressantes.
Dúvidas rápidas
Isso é uma conspiração da indústria farmacêutica para vender mais remédios!!
Não é não. Pelo contrário, isso é uma mudança muito responsável, bem fundamentada, e focada em prevenção.
Se a indústria farmacêutica e hospitalar de fato fossem conspirar para ganhar dinheiro, seria para atitudes exatamente opostas à estas mudanças; para que pessoas demorassem a ser diagnosticadas como hipertensas e assim tivessem mais complicações médicas necessitando consumo de medicamentos e serviços hospitalares. Acho que eles pelo menos conspirariam direito, né.
Isso é uma conspiração dos cardiologistas para ganharem mais dinheiro!!
Não é não. Apesar de que sim, as diretrizes recomendam visita periódica a um cardiologista, esta é uma recomendação muito aceitável. Uma visita anual soa perfeitamente adequado; e uma trimestral para acompanhar resultados caso esteja em situação de risco é algo natural para acompanhamento de qualquer situação.
Lembrando que seu sistema vascular é algo meio crucial para sua sobrevivência, e hipertensão especialmente é o primeiro passo para dezenas de complicações maiores; além de ser algo que geralmente sinaliza hábitos não-saudáveis que podem causar problemas em outras áreas. Você deve visitar um cardiologista anualmente, sim.
Tudo isso de gente vai ter que tomar remédio agora??
Não. Apesar do aumento considerável de pessoas que serão considerados hipertensos, como o quadro inicial agora não inclui o uso de medicamentos, estima-se que haverá um aumento somente de 1.3% de mulheres e 2.5% de homens usando anti-hipertensivos.
Isso de recomendações de “estilo de vida saudável” soa bobagem!
Não é não. Ninguém fica com hipertensão sem motivo (exceto caso de fato a hipertensão seja só sintoma de alguma outra coisa); e um estilo de vida saudável sempre foi e será a melhor forma de prevenir problemas cardíacos em geral.
E no Brasil?
Estas recomendações estão em vigor para cardiologistas nos Estados Unidos. No Brasil não existe um consenso sobre as faixas de pressão arterial e tratamentos; havendo várias organizações com suas próprias diretrizes conflitantes. É improvável que tenhamos uma mudança generalizada sobre abordagem assim por aqui.
Entretanto, eu espero que o sentimento de foco na prevenção de hipertensão seja crescente entre cardiologistas e médicos em geral; e você deve se preocupar com prevenção e cobrar isso de seu cardiologista.