Violência sexual não é guerra dos gêneros

Hoje em dia temos um cuidado enorme em mantermos neutralidade de gênero em todo assunto possível – ontem mesmo recomendei que um trabalho acadêmico substituísse “mulheres grávidas” e “grávidas” por “indivíduos grávidos”, dado o potencial dos termos femininos ofenderem homens transgêneros. Ocasionalmente acho isso um exagero, e muitas vezes é uma preocupação mais com evitar problemas do que  um verdadeiro comprometimento e empatia com as situações (como foi neste caso); mas é alguma coisa, e é algo respeitável.

dica: homens sofrem com a estrutura social também.
outra dica: qual a diferença entre isso e desqualificar uma vítima mulher por ela “estar pedindo”?

Mas sabe o que é o assunto mais “gendered” de todos os tempos? Violência sexual. Pare por um minuto e olhe as discussões e a mídia ao longo destes últimos meses. Apesar de todo o cuidado que temos com gênero em todo outro assunto, parece ser perfeitamente normal generalizar agressores sexuais como “homens em posição de poder” e escrever artigos sobre como homens precisam prestar contas e policiarem outros homens e como estupro contra homem não conta por não ser “violência estrutural”.

Eu me pergunto se as pessoas conseguem conceber a realidade de que mulheres podem realizar violência sexual, e que homens são frequentemente alvos desta violência (causada por outros homens ou mulheres). Vale lembrar que 30% das vítimas de violência sexual são homens, e mais ou menos 20% dos agressores são mulheres. Vale lembrar que existe este post com mais de 5000 homens desabafando sobre suas histórias com violência sexual.

eu tenho muita coisa para falar sobre estatísticas e modelagem social destes fenômenos e dezenas de histórias de, mas foco.

Exemplo prático

Digamos que eu ativamente protesto sobre violência urbana e tento chamar atenção das pessoas para este problema. Digamos que você aprecia esta minha preocupação.

Agora digamos que eu começo a falar de “agressores negros“, de “violência contra brancos”, a naturalmente me referir a vítimas como brancos e agressores como negros. Acho que você vai apreciar minha preocupação bem menos agora, e com razão. Acho que no mínimo você vai estar ciente de que eu tenho uma agenda clara e que minha mensagem não é puramente sobre violência, e que é nocivo falar desta forma. O fato (?) de que negros praticam crimes violentos com maior frequência não faz este comportamento ser correto.

Eu posso pensar em trocentos exemplos parecidos, e acho que você também. Acho que estamos bem cientes dos problemas de fazermos discussões sobre problemas sérios se tornarem sobre um grupo contra outro; ou pelo menos estamos cientes do quão politicamente errôneo isso é.

Por que violência sexual é a exceção desta regra?

Os problemas de divisão

O problema de pegar um problema social sério e complexo e transformar em um conflito entre grupos é que estamos garantindo que cada lado só vai ter metade da história, e metade das preocupações, metade da empatia.

“problema social” é praticamente um eufemismo. isso não é sobre algo abstrato como sociedade e cultura; é sobre pessoas sofrendo violência de forma íntima, pessoal, traumática, que arruína vidas e afeta escolhas.

Se homens se sentissem menos oprimidos com serem tratados como agressores por padrão e um pouco mais confortáveis com a idéia de que podem ser vítimas também e podem falar sobre, certamente haveria mais boa vontade da parte deles neste tópico.

Da mesma forma, se mulheres empatizassem um pouco mais com o horror de ter sua carreira e vida arruinadas por acusações pouco fundamentadas e considerassem a possibilidade de que estatisticamente cada um conhece pelo menos uma mulher que cometeu violência sexual e um homem que a sofreu, certamente a responsabilidade sobre como lidar com a situação seria melhor dividida.

Não estou negando a realidade de mulheres serem vítimas de violência sexual em maior número e frequência. Muito menos estou fazendo pouco caso deste tipo de violência, pelo contrário. Só estou dizendo que isso é um assunto sério e sensível demais para ser tratado como uma guerra de um grupo contra outro.

— Matheus E. Muller

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